segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

História nº9: Branca Flor

Ilustração: Eduino Silva

Era uma vez um casal muito rico que, quando estava quase a morrer, legou toda a riqueza ao filho. Este gastou o dinheiro todo e quando não tinha nada pensou suicidar-se numa lagoa.
Desesperado, quando chegou à lagoa viu um feiticeiro que lhe ofereceu uma moeda. Este disse-lhe que quando enriquecesse voltasse ali e lhe devolvesse a moeda. O jovem concordou e quando enriqueceu foi ter com o feiticeiro que se chamava Mustafá. Encontrou-se com a mulher que ia permitir o seu encontro com o Mustafá através da preparação de rituais. Quando conseguiu passar para o outro lado da vida viu três feiticeiras a tomarem banho numa lagoa.
Ilustração: Inácio Júnior
A mais nova das feiticeiras disse a uma das irmãs que estava a sentir cheiro de humano. Esta feiticeira, que se chamava Branca-Flor, já sabia que o rapaz estava ali mas como gostava dele, respondeu que não sentia nada.
O rapaz foi ter com as feiticeiras, que estavam transformadas em serpentes, e, depois de lhes explicar o que pretendia, elas levaram-no para ir ter com o pai delas.
O Mustafá queria matar o rapaz para comer e começou a arquitectar um plano. Primeiro mandou-o à floresta buscar um búfalo. O rapaz assim fez e, com a ajuda da Branca-Flor, conseguiu trazer um búfalo. Depois, mandou o rapaz plantar arroz e cozinhar no mesmo dia. Ele também conseguiu fazer isso com a ajuda da menina feiticeira.
A rapariga, que sabia qual era a intenção do seu pai, queria ajudar o seu amado. Disse-lhe para ir ao estábulo e que escolhesse o cavalo mais veloz para conseguir fugir logo de manhã cedo. A rapariga cuspiu sete vezes para o chão para que quando a sua mãe a chamasse pela manhã pensasse que era mesmo ela que respondia. De manhã cedo, quando a mãe a chamou, foram os cuspes a emitir a voz da Branca-Flor. A mãe desconfiou no entanto, e foi ver onde estava o rapaz.
Como não encontrou nenhum deles, disse ao marido que a sua filha tinha fugido com o rapaz, ordenando-lhe que fosse atrás deles.
Ilustração: Amari Dias

Mustafá assim fez. Pelo caminho passou por uma escola onde as crianças estavam no recreio. Havia ali muitos professores e como o seu poder era fraco em relação à filha não conseguiu perceber que afinal esta se tinha transformado numa professora e o rapaz num professor.
Voltou para trás e disse à mulher que não os tinha encontrado. Esta ficou furiosa porque sabia que eles que se estavam a fazer passar por professores. Mandou-o de novo para ver se conseguia encontrá-los mas este não teve sorte porque desta vez encontrou uma capela com uma freira e um padre. Sem desconfiar que poderiam seriam eles, o feiticeiro voltou para casa e descreveu à mulher o que tinha encontrado. Finalmente, a mulher decidiu ser ela a ir atrás deles. Depois de muito procurar, encontrou-os mas estes saltaram para o outro lado do rio para não serem apanhados. De um lado a mãe gritava:
Ilustração: Isinildo Monteiro

- Branca-Flor devolve-me a chave do armazém e fica a saber que te vais separar do rapaz com quem nos traíste durante seis meses.
A menina do outro lado respondia:
- Mãe, tu também te vais separar do meu pai durante seis meses.
Quando Branca atirou a chave acertou num olho da mãe. Quando regressou para casa Mustafá separou-se dela porque tinha um olho furado. No entanto também a Branca-Flor acabou por separar-se do seu amado.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

História nº 8: A Esperteza da Lebre

Havia uma lebre que achava que era mais esperta que todos os animais do mundo. Como desconfiava, porém, que a tchoca (galinha do mato) era mais esperta que ela e queria ter a certeza, resolveu convidá-la para irem a uma festa na casa da sua avó.
Para testar a sua esperteza, disse à tchoca haver, pelo caminho, coisas que ela não podia tocar nem comer. A tchoca concordou com isso.
Ilustração: Fábio Silva

Enquanto caminhavam viram uma lagoa. Como estava com sede, a lebre disse à tchoca:
-Olha, tenho de mergulhar na lagoa para ver se encontro o anel da minha mãe que caiu lá para o fundo quando eu e ela passámos aqui.
-Está bem - disse a tchoca.
Quando se atirou para a água, a lebre aproveitou para beber bastante até se fartar. Lá em cima, a tchoca também aproveitou para beber pois sabia que era impossível a lebre mergulhar sem engolir um pouco de água.
Ilustração: Pedro Dias

De repente a lebre saiu da água e disse para a tchoca:
– Então, eu não te disse que nessa lagoa não se pode beber água?
– Sim, disseste - confirmou a tchoca.
– Mas então porque é que tens o bico cheio de água? - retorquiu a lebre.
– E tu? Também tens a boca molhada – disse-lhe a tchoca.
Ilustração: Luisa Pandim

A lebre percebeu que era difícil enganar a sua companheira e lá continuaram a viagem. Assim que chegaram a uma floresta, a lebre pensou que ia conseguir enganar a tchoca. Mas, como havia muitos mosquitos na floresta, e estava a ser mordida ela disse à galinha:
- Bem, assim que chegar a casa vou pedir óleo de palma à minha mãe para espalhar pelo corpo.
Enquanto ia falando, a lebre ia batendo no corpo para explicar onde colocaria o óleo e assim ia matando os mosquitos. Então a tchoca respondeu:
- Vais me oferecer um pouco para eu pôr aqui, aqui e aqui.
Deste modo a tchoca aproveitava também para matar os mosquitos.
Ilustração: Ivandro Moniz

A lebre percebeu que afinal não era a mais inteligente de entre todos os animais e contou à tchoca qual era o seu plano, concluindo assim que não era a mais esperta.

História nº 7: A Princesa e o Criado

Havia um rei que tinha uma filha que nunca conheceu nenhum homem. Os reis tinham um criado em casa e não pensaram que a princesa pudesse vê-lo. Até que um dia ela apareceu grávida. Intrigado com o aspecto da filha o rei perguntou à rainha porque é que a princesa tinha a parte da frente “grande” (apurado) e a parte de trás “plano” (rasteiro). Decidiram então ir ao mestre que disse que daí a nove meses, com a ajuda de umas plantas, ela curar-se-ia.
Passados nove meses a princesa teve um filho. Os reis perguntaram à princesa quem era o pai ao que ela respondeu que era o criado.
Ilustração: Vilma Sanhá

Os reis quiseram levar o homem para a forca mas este disse-lhes que o sucedido tinha acontecido no próprio quintal deles. Então os reis também quiseram levar a princesa para a forca. A princesa disse-lhes que eles é que deviam ir para a forca pois tinham dado alojamento ao homem, impedindo-a de vê-lo. Se não queriam que ela tivesse algo com ele não deviam tê-la em casa como uma prisioneira. Disse ainda que o criado, apesar de ser pobre, não podia ser morto pois era o pai do seu filho e seria o herdeiro da riqueza dos reis.
Quando o conheceu, ela não sabia se o homem era rico ou um simples criado. Por isso é que teve contacto com ele, sem pensar no sucessor do trono. A princesa não pôde escolher pois o único homem que conheceu foi o criado. Quanto aos reis não puderam fazer nada em relação a isso e deixaram a princesa viver em paz com o filho e o criado.
Ilustração: Ana Francisca Lopes

Narração em crioulo de cabo Verde pela D. Maria Semedo
Tradução e adaptação por Rosângela Teixeira

História nº 6: Cavalinho

Era uma vez uma menina muito bonita, delicada e boa para todas as pessoas. Vivia com o seu pai porque a sua mãe tinha morrido. Sempre que ela ia à fonte buscar água encontrava-se com uma senhora chamada Andreza que a ajudava a tirar água da fonte.
Ilustração: Eunice Lourenço

Tinham uma relação muito boa e a menina gostava mesmo da Andreza. Tanto que sempre que regressava a casa pedia ao seu pai que se casasse com Andreza porque achava que esta também gostava muito dela. Se o seu pai pedisse Andreza em casamento elas nunca se separariam.
Um dia o pai cedeu ao pedido da filha e casou-se com a Andreza. Mesmo vivendo juntas mantinham uma boa relação. Até que um dia em que a menina ficou a guardar as folhas de uma figueira (usadas para curas na medicina tradicional) para que ficassem secas veio um pássaro e levou as folhas. Quando Andreza voltou a rapariga explicou-lhe o sucedido. Furiosa, esta ralhou com ela e foi enterrá-la viva.
Ilustração: Óscar Mendes

Sempre que o cavalo do seu pai ia pastar ia comendo a erva mesmo em cima dela. Como ainda estava viva a menina começava a cantar:

Cavalinho di nha mame, Cavalinho da minha mãe
Cavalinho de nha pape, Cavalinho do meu pai
Ca bu cumé nha cabelo. Não comas o meu cabelo
Andreza n´teram bibo Andreza enterrou-me viva
Pabia di um fidjo di figuera Por causa do ramo de uma figueira
Cavalinho já levou, levou. Cavalinho já levou, levou.
Ilustração: Fábio Vieira

As crianças que por lá passavam ouviam uma voz a cantar e iam correndo dizer ao dono do cavalo mas este não ligava ao que diziam. Um dia, um senhor que por lá passou ouviu a voz e disse ao pai da menina. Só então este acreditou na história e foi desenterrar a filha, levando-a depois para casa para casa. O pai fez uma grande festa por ter a filha de volta mas avisou-a a que nunca o desafiasse. Sempre que um pai diz não a uma filha é para esta obedecer porque ele sabe o que diz e o que quer.
Ilustração: Elsa Mendes

Esta história foi-nos contada pelo Junilto Netchemo. Chegado há menos de um ano da Guiné mantém uma memória viva das histórias contadas por um dos seus irmãos mais velhos.

História nº 5: O Lobo e a Lebre

Era uma vez um Lobo e uma Lebre que viviam juntos numa casa de palha. Gostavam sempre de competir para ver quem era o mais esperto quando se tratava de procurar comida. Certo dia, o Lobo, ao aperceber-se que a Lebre era mais inteligente, resolveu expulsá-la de casa. A Lebre saiu e fez um buraco enorme no chão para apanhar os animais quando estes lhe perguntavam se sabia qual o caminho para onde os outros tinham ido.
Ilustração: Eduarda Mendes

Um dia a gazela perdeu-se dos seus amigos e quando foi perguntar à Lebre se tinha visto por onde estes tinham ido, ela indicou-lhe o caminho onde tinha preparado a emboscada. A Gazela caiu para dentro do buraco e mais tarde foi comida pela Lebre.
Ilustração: Eliana Mendes

Então, o Lobo, ao ver que a amiga estava cada vez mais gorda, perguntou-lhe qual tinha sido a sua estratégia. A Lebre explicou-lhe tudo e o Lobo foi montar uma armadilha também.
Quando uma Gazela lhe perguntou para onde tinham as outras Gazelas, o Lobo, apressado e faminto, disse rapidamente:
-Vai para este caminho que eu já vou lá comer-te.
A Gazela ao ouvir aquilo virou as costas e foi-se embora.
Ilustração: Juliana Pires

A Serpente, que andava lá perto, ouviu tudo e fez a mesma pergunta que a Gazela fizera mas o Lobo nem sequer respondeu. Então, a Serpente resolveu ir esperar o Lobo lá no buraco. Quando este chegou, preparou-se para se atirar para o buraco mas, como viu a Serpente, já não quis saltar.
Ilustração: Catarina Varela
História contada por Junilto Netchemo

História nº4: N'Tchanha


Ilustração: Ruben Oliveira
Era uma vez um homem que tinha duas mulheres e quando uma morreu a filha desta ficou com a madrasta e os seus irmãos. A madrasta não gostava dela e por isso obrigava-a a fazer todo o trabalho lá em casa enquanto as suas irmãs brincavam.
Certo dia em que a rapariga foi à fonte buscar água partiu a bilha. Quando voltou para a casa, contou à madrasta o que tinha sucedido e esta, furiosa, ralhou com ela dizendo-lhe que arranjasse uma outra bilha nem que para tal morresse tal como a sua mãe. Então a menina saiu à procura de uma mulher que costumava fazer bilhas para vender.
Pelo caminho, ia a cantar:
N´tchanha, n´tchanha.
Cilorabinta.
N´tchanha, n´tchanha.
Cilorabinta.
Ntchanha massacunda
Cilorabinta.
Ntchanha massacunda
Cilorabinta.
Tété té cilorabinta.
Tété té cilorabinta.

Enquanto ia a cantar encontrou um leão e perguntou-lhe se sabia onde era a casa da tal senhora. O leão disse-lhe para seguir o caminho em frente. Até que encontrou um macaco que lhe disse o mesmo e depois uma gazela que também disse para seguir aquele caminho.
A rapariga continuou a caminhar até encontrar uma senhora que tomava banho numa lagoa. A mulher pediu que lhe esfregasse as costas e quando o fez cortou-se toda nas mãos porque as costas da mulher eram de ostras. A senhora disse-lhe para bater as mãos na água. Assim fez e as feridas sararam.
A seguir a senhora disse à menina para ir para casa com ela, esmagar arroz, cozinhar e comer. Assim fez e a mulher, que era uma feiticeira serpente, disse-lhe que a iria transformar numa agulha e colocá-la em cima do telhado porque os filhos estavam a regressar da lagoa e poderiam comê-la.
Quando chegaram, os meninos comeram o arroz e quando começaram a sentir cheiro de pessoa humana disseram à mãe. Esta disfarçou dizendo que não havia ninguém em casa e mandou-os de novo para a lagoa.
A mulher voltou a transformar a menina em ser humano e deu-lhe três ovos. Disse-lhe que no caminho para casa deveria parti-los sempre no final de cada canção. Deveria cantar seis vezes cada uma e só no último ovo é que poderia olhar para trás.
Obediente, a rapariga fez tudo o que a feiticeira lhe disse e quando olhou para trás viu uma casa enorme, bonita e com muitas coisas. A rapariga pegou numa bilha, foi para casa e deu-a à madrasta.
Com raiva por ela ter conseguido voltar, trazendo uma bilha, a madrasta ficou cheia de ciúmes e resolveu mandar a sua filha fazer o mesmo caminho para ver se conseguia uma casa como a da sua meia-irmã.
Quando ela começou a fazer o mesmo percurso, encontrou uma serpente a tomar banho. Esta pediu-lhe que lhe esfregasse as costas mas a rapariga respondeu:
-O quê? Em casa não costumo esfregar as costas da minha mãe. Então porque é que haveria de esfregar as suas?
Pediu-lhe então para irem para casa, cozinhar arroz. A menina respondeu:
-O quê? Em casa não cozinho e nem faço nada.
Mais tarde, a feiticeira disse que ia transformá-la em agulha mas ela também não quis.
Como não conseguiu transformar a rapariga em agulha, a feiticeira escondeu-a atrás da porta para que os seus filhos não a comessem. Quando estes regressaram, comentaram com a mãe que sentiam cheiro de carne humana mas ela conseguiu enganá-los e voltaram para a lagoa.
Então a feiticeira deu três ovos para a rapariga e explicou-lhe o que fazer com elas enquanto voltava para casa. Teimosa como era, a moça não seguiu as recomendações e assim que foi lavar os pés na lagoa, foi imediatamente picada pelas serpentes e morreu.
Ilustração: Fábio Vieira

Esta história, tradicional da Guiné, foi-nos contada pelo nosso amigo Junilto Netchemo (ambuduco.blogspot.com), de 13 anos e chegado a Portugal em Dezembro de 2006 - ao mesmo tempo que nós chegámos ao Bairro da Quinta da Serra, onde o conhecemos.

História nº 3: O Filho do Lenhador

Ilustração: Ruben Oliveira

Era uma vez um lenhador que sempre que ia buscar lenha à floresta trazia ao seu filho um coração de lobo para ele para comer. E todos os dias o filho ficava à espera do pai para comer mais um coração.
Ilustração: Ruben Oliveira

Certo dia, o pai saiu para ir buscar lenha e deixou o filho com a mãe em casa. O menino ficou cheio de fome e começou a chorar pois o pai nunca mais chegava. Enquanto passeava pela aldeia o lobo ouviu uma criança a chorar e foi ver. Bateu a porta e perguntou:
-Porque é que o seu filho está a chorar? Tem fome?
A mãe aflita, sem saber o que fazer, já que o seu filho estava habituado a comer todos os dias um coração de lobo, respondeu dizendo.
-O meu filho está a chorar porque o pai costuma trazer coração de lobo para ele comer sempre que volta da floresta.

Ilustração: Amari João

Então o lobo com medo que a mãe o matasse também para conseguir um coração e acalmar o filho respondeu rapidamente, fingindo que era uma gazela:
- Bem, é melhor a gazela do mato, que é toda pintada, fugir.
E assim, o lobo conseguiu escapar porque se fosse reconhecido a mãe do menino poderia matá-lo para poder alimentar o seu filho.
Ilustração: Ruben Oliveira

Esta história foi contada pelo Carlinhos, um menino guineense de 9 anos, que vive nos Terraços da Ponte mas, que ao fim-de-semana, fica em casa da Tia Dada.

História nº 2: Chibinho e o Lobo


Havia um Lobo que era muito guloso. Quando saia à procura de comida achava sempre que o que encontrava era pouco e não ia satisfazê-lo. O seu sobrinho, Chibinho, era o oposto: comia tudo o que encontrava pelo caminho. Certo dia, o Lobo, que viu o Chibinho muito gordo, disse-lhe: “Chibinho, o que andas a comer para ficares assim tão gordo? Tens que me dizer”. O Chibinho respondeu-lhe que comia tudo o que ia encontrando pela estrada e por isso estava tão gordo. Combinaram então sair juntos para procurar comida. Enquanto passeavam, o Lobo continuava a achar que tudo o que ia encontrando pelo caminho era pouco e por isso não apanhava. Ele queria algo que o satisfizesse já que era muito comilão. Quanto ao Chibinho foi comer figos numa figueira que tinha encontrado durante os seus passeios.





Um dia o Lobo chamou o Chibinho e, armado em esperto, pediu-lhe que lhe tirasse uma coisa entre os dentes que o estava a incomodar. Quando o Chibinho pegou numa agulha, o Lobo gritou bem alto: “Chibinho não, isso não, que uma ponta de agulha matou a minha avó”. Então, o Chibinho foi buscar um espeto e assim que o Lobo viu gritou novamente: “Isso não, que matou a minha mãe”. O mesmo sucedeu com o alfinete pelo que o Chibinho decidiu tentar usar a própria mão para ver se assim já conseguia ajudar o tio. Mal colocou um dedo na boca do Lobo, este agarrou-o, fechando a boca. Faminto, o Lobo disse que só o soltaria se o Chibinho o levasse ao sítio onde costumava comer. Este assustou-se muito e pediu ao tio que o soltasse enquanto iam mas o Lobo não aceitou pois ele era muito malandro e fugiria. Sem opção, o Chibinho levou o tio à figueira onde costumava comer. Ai chegados, o Chibinho pediu ao Lobo que o soltasse, o que este aceitou. A figueira tinha muitos frutos e o Chibinho disse: “Rema abaixo”. A árvore fez descer os ramos e ele comeu até ficar com a barriga cheia. Vendo isso, o Lobo, em vez de dizer o mesmo, disse: “Rema acima”. A árvore subiu os ramos com ele pendurado num dos ramos, pelo que ficou muito alto. Sem se importar, o Lobo foi comendo enquanto o Chibinho, que já estava satisfeito, foi para a sua horta onde cultivava muitas coisas boas. Quando voltaram a encontrar-se, o Lobo perguntou ao Chibinho por onde tinha andado e este respondeu que tinha estado na sua horta. Quando o levou lá consigo, o Lobo mandou-o embora dizendo que o Chibinho não sabia tratar das plantações. Triste, o Chibinho foi-se embora. Um dia resolveu vingar-se do seu tio e levou-o a subir um rochedo. À medida que iam subindo, Chibinho ia enganando o Lobo dizendo-lhe que ali havia um monstro com os olhos arregalados. Este, todo assustado, correu rapidamente para chegar ao cimo do monte onde, sem se aperceber, caiu de costas e morreu. Satisfeito, o Chibinho desceu e foi à sua vida.

História contada por Dona Lorença, cabo-verdeana de 78 anos de idade, residente no Bairro da Quinta da Serra. Ilustrações feitas sobre canudos de suporte de papel higiénico por Eduarda Mendes (Lobo e Chibinho à procura de comida; Lobo e Chibinho com agulha), Carla Lopes (Lobo a morder o dedo do Chibinho; Chibinho e Lobo a caminho da figueira), Catarina Varela (Lobo na figueira, Lobo e Chibinho na horta), Moisés Mendes (Lobo em cima da rocha, Lobo morto).

História nº 1: Cabra Gazela

Ilustração: Iolanda Ferreira

Havia uma cabra que tinha sete chifres e três cabritos. Sempre que ia ao monte comer ervas recomendava aos seus cabritos para que, enquanto estivesse fora, não abrissem a porta a ninguém excepto a ela. Quando regressava a casa a cabra vinha com o peito cheio de leite e ervas enroladas nos chifres para alimentar os seus filhos.
Um dia, quando a Cabra foi ao monte, o Lobo foi a casa da cabra fingindo que era a mãe dos cabritos e eles abriram-lhe a porta. O Lobo perguntou aos cabritos se estavam sozinhos em casa e eles responderam que sim.
Ilustração: Alina Moreira

Quando os cabritos perceberam que não era a mãe deles ficaram muito assustados e o Lobo, tentando ser simpático, aproximou-se dos cabritos dizendo-lhes para não ficarem com medo pois ele era como se fosse a mãe deles. Por fim, acabou por comê-los todos. Quando a Cabra regressou bateu à porta, não ouviu os seus filhos a chorar e percebeu que não estavam lá e que tinha acontecido alguma coisa. Entretanto o Lobo, todo vaidoso, foi ter com o seu sobrinho Chibinho, e disse-lhe que tinha conseguido enganar a Cabra porque tinha comido os seus três cabritos e que quando ela voltasse não ia encontrar ninguém em casa.
Ilustração: Ana Sofia Lopes

Mais tarde, a Cabra foi ter com o Chibinho e explicou-lhe o que aconteceu. Pediu ajuda ao seu amigo para descobrir quem lhe teria feito aquilo. O Chibinho contou-lhe que tinha sido o Lobo a comer os cabritos. A Cabra pediu então ao Chibinho para a ajudar a recuperar os filhos. Este teve a ideia de fazer uma festa na casa do compadre dele para ajudar a apanhar o Lobo.
Ilustração: Ana Sofia Lopes

Rapidamente organizaram uma festa e o Chibinho disse à Cabra para ir vestida com sete saias, sete blusas e sete lenços na cabeça e que também ia dizer ao Lobo para vestir sete calças, sete camisas e sete chapéus. Todo vaidoso, o Lobo aceitou o convite e mostrou-se muito animado com a festa.

No dia da festa, no meio de tanta dança, a Cabra aproximou-se do Lobo e começou a cantar:

"Maria, Maria, tua mãe, Madalena, sai fora e vem me tirar leite desta mama e as ervas dos chifres".
Ilustração Ana Francisca Lopes

O Lobo, também vaidoso e a dançar, cantava dizendo que tinha conseguido enganar a Cabra porque comeu os três filhos dela. À medida que o Lobo e a Cabra cantavam iam-se despindo. O Lobo ia tirando uma a uma as calças e as camisas e o chapéus enquanto a Cabra ia tirando as sete saias, sete blusas e sete lenços. Notando que ela tinha uma figura estranha, o Lobo começou a perguntar porque é que ela tinha os pés daquela maneira e tanto cabelo. A Cabra respondeu que os seus pés eram mesmo assim e que realmente tinha muito cabelo. A Cabra continuou a dançar e a cantar. Quando o Lobo percebeu que era mesmo a Cabra tentou fugir, enquanto esta o ia atacando com os chifres. Disse ao Chibinho para lhe abrir a porta porque estava aflito para ir fazer chichi e cócó. O Chibinho respondeu que não podia abrir a porta porque não tinha as chaves e que tinha deitado fora tal como o Lobo lhe tinha pedido quando estava muito animado com a festa. A verdade é que o Chibinho tinha fingido atirar a chave fora e o que mandou foram pedaços de um caldeirão de ferro. Enquanto isso, a cabra continuava a dar chifradas na barriga do lobo até que conseguiu arrebentar a barriga do Lobo e os cabritos saíram logo para alimentar-se no peito da mãe. O Lobo ficou todo aberto no chão e morreu enquanto a Cabra foi para casa muito contente com os seus filhos.

Ilustração Vilma Sanhá

Narrada por D. Maria, a avó do Zeca Semedo, em crioulo de Cabo-Verde, e traduzida em português pela D. Antonieta.